segunda-feira, 13 de julho de 2009

Sobrevivendo do lixo, o retrato da desigualdade social

Por: César Paranhos
Histórias distintas de brasileiros e brasileiras, de classes sociais diferentes com um único ponto em comum: o lixo


O Brasil ocupa atualmente, a primeira posição no ranking mundial de país com o maior número de pessoas que sobrevivem da reciclagem. Segundo dados obtidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, (IBGE), hoje cerca de 500 mil brasileiros entre adultos e crianças se sustentam através da reciclagem de materiais descartados pela população diariamente como: papelão, latinha e garrafas Pet.

O pai de família desempregado, Joel Lima Lopes, que mantêm a casa coletando papelão e garrafa Pet pelas ruas no bairro da Barra Funda é mais um, dentre esses 500 mil trabalhadores brasileiros.”Todos os dias, saio de casa às seis horas puxando o meu carrinho, aqui pela Barra Funda recolhendo papel, papelão e garrafas de refrigerante, depois vou até a Lapa em busca de mais material. Enfim às vezes caminho o dia inteiro com um pedaço de pão, que é o meu almoço e eu sempre digo que o meu dia tem hora certa para começar, mas não para acabar”.

Só o estado de São Paulo produz por mês aproximadamente 450 mil toneladas de lixo, que são despejados entre os aterros sanitários da capital, (vulgo lixão), dentre os vários “lixões” está o de Santo André no ABC paulista local de trabalho da dona de casa e mãe solteira de quatro filhos, Vera Lúcia Garcia dos Santos. “Eu levanto todos os dias às cinco horas da manhã e vou para o “lixão” junto com as minhas crianças, porque eu não tenho com quem deixá-los. Os menores, Ana Júlia de quatro anos, Gabriela de cinco anos e o Roberto Carlos Garcia dos Santos de sete anos, passam o dia brincando com os carrinhos e bonecas, que eles encontram lá misturado junto ao lixo. Já o mais velho, Everson Garcia dos Santos 15, estuda no período da manhã e também trabalha comigo no aterro a tarde, pois sustentar cinco bocas sozinha seria impossível.”

Para a pernambucana, Maria da Conceição Soares, que há dois veio para São Paulo à procura de melhorar sua condição de vida e também trabalha pelas ruas de Guarulhos para sobreviver, a reciclagem foi a sua única alternativa. “Eu sai de Pernambuco pensando em melhorar de vida, mas quando cheguei em São Paulo percebi que a vida aqui é bem mais difícil que lá no meu estado, ainda mais para uma pessoa sem estudo como eu. Hoje pego papelão pelas ruas para poder comer e já me arrependi de ter saído de perto da minha família, se eu tivesse condições voltaria para Pernambuco agora mesmo”.

Infância Perdida

Segundo o (IBGE), cerca de 20 mil pessoas sobrevivem trabalhando como catadores de lixo na capital paulista, desse número 18% dos trabalhadores são crianças entre cinco e 14 anos de idade. É caso do menino, Pedro Henrique Machado 13, que assim como o garoto Everson, recolhe latas de alumínio pelas ruas no bairro de Guarulhos para ajudar a sua família.”Em casa somos em três pessoas, minha mãe, meu irmão de cinco anos e eu. A minha mãe trabalha seis dias por semana como diarista e leva o meu irmão junto com ela para o trabalho, enquanto eu vou a escola pela manhã e a tarde saio para catar latinha e ferro para ajudar na renda de casa. Só com o salário que minha mãe consegue ganhar por mês, em torno de R$ 280 fica difícil de manter a nossa casa e muitas vezes, quando eu não trabalhava chegamos a passar por necessidades, então eu não tenho escolha e preciso trabalhar para ajudar a minha família”.

Para a menina, Catarina Sampaio da Glória 14, trabalhar coletando material reciclável pelas ruas, além de ser fonte de renda tornou-se também a sua única atividade diária. “Eu parei de estudar na quarta série para ajudar a minha mãe a sustentar a casa, pois somente com o que ela ganha fazendo ”bicos” nós não conseguiríamos sobreviver, ainda mais com meu irmão caçula de dois anos. Trabalhando todos os dias recolhendo latas pelas ruas, revirando os sacos de lixo no parque do Ibirapuera, eu consigo ganhar por mês em média R$ 300, juntando com mais R$ 150 dos trabalhos que a minha mãe faz, no final do mês temos R$ 450 para passarmos o mês’’.

Na opinião da coordenadora educacional da escola PioXII localizada no bairro de Pirituba, Maria Aparecida Zanon Rodrigues, o índice elevado de crianças trabalhando nas ruas atualmente em São Paulo é fruto de políticas sociais ineficazes. “Todo mundo sabe que lugar de criança é na escola, porém na maioria dos casos essas crianças se vêem obrigadas a trabalharem para poderem sobreviver, uma vez que a renda familiar é baixa e os projetos sociais do tipo Bolsa Família são insuficientes e irrisórios, porque não é com R$ 90, (valor destinado pelo governo á famílias de baixa através do Bolsa Família), que conseguiremos mudar essa triste realidade vivida pelo Brasil”.

A Arte do Lixo

Não é todo o material reciclável recolhido que vai para as usinas para se transformar em matéria prima novamente, existem pessoas como a artista plástica, Ana Luiza Cordeiro Marques, que compra parte desse material dos catadores e faz do “lixo” objetos de decoração como vasos e porta velas. “Eu compro quase todo tipo de material que os catadores recolhem, desde papel até as latas de alumínio. Pois além de ajudá-los a manterem suas famílias e contribuir com o meio ambiente, meu serviço é tornar o que a sociedade descarta em algo produtivo e útil. Com as garrafas pet eu faço vasos e porta velas, já o papel utilizo como base para fazer bonecas de decoração e as latas de alumino se “transformam” em bolsas e enfeites de roupa”.

Os produtos confeccionados a base de materiais recicláveis mencionados como: vasos, porta velas, bonecas de decoração, bolsas e os enfeites de roupa possuem preços variados de acordo com o tempo empregado na fabricação de uma determinada peça. Uma vez que na maioria dos casos, esses produtos são feitos de modo artesanal e custa, de R$ 15,00 (um porta vela), a R$ 150 (uma bolsa inteira feita à mão), as classes média e média alta são as maiores consumidoras desse tipo de produto.

Reciclagem: o “lixo”, que educa

Na opinião da professora de educação artística, Cristina Barcellos, os colégios deveriam apresentar em seu planejamento pedagógico um projeto que unisse a disciplina de educação artística a temas importantes como a questão da reciclagem. “As escolas, em geral deveriam incorporar ao projeto pedagógico assuntos mais relevantes como as questões da reciclagem e do meio ambiente, criando uma relação entre os mesmos e as matérias abordadas em sala de aula, unindo o conteúdo apresentado em classe à vida do aluno. A aula de artes, tem como principal objetivo estimular e desenvolver a criatividade das pessoas, então porque não aproveitar o tema reciclagem para ensinar os alunos a transformarem “lixo” em arte. Eu por exemplo, além de trabalhar com papel, papelão, garrafa pet e latas de alumino; ensino as “minhas” crianças em classe a tornarem CDs riscados em porta retratos e enfeites de natal, pois não basta só estimularmos o lado criativo das pessoas, também precisamos formar cidadãos com mais consciência social e ambiental.”

De acordo com a professora aposentada, Vanda Almeida da Cruz, cabe aos educadores aliarem o conteúdo solicitado pelas escolas junto com a proposta desenvolvida pelo próprio professor para o andamento da disciplina. “Eu acredito que é o professor quem deve propor o andamento do seu curso, essa postura de esperar pelo planejamento do colégio para incorporar as suas idéias, (dele professor), está errada. Em 30 anos lecionando, eu nunca fiquei na dependência do planejamento pedagógico das escolas onde lecionei para trabalhar com temas importantes como a reciclagem, que atualmente está em evidencia dentro da minha disciplina. Em sala de aula sempre estimulei os alunos a criarem com latas de leite em pó, (alumínio), essas atividades resultavam em trabalhos maravilhosos ao final, pois uma criança criativa certamente se tornará um adulto mais preparado para atender as necessidades do mercado de trabalho”.

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